Brasil
2018-10-04
O povo vietnamita trabalha duro, muitas vezes sem os recursos ou a situação ideal, mas possui uma respostas peculiar para as dificuldades. Quando algo falta ou dá errado cabem ao improviso e a criatividade resolver o problema. Palavras que são muito conhecidas do povo brasileiro me lembraram do Malandro, não poderia deixar de me aproximar de um dos aspectos mais emblemáticos da cultura Carioca.
Malandragem é o conjunto de artimanhas utilizadas para se obter vantagem em determinada situação. Diferente do jeitinho, uma das partes seria lesada para se obter o benefício. Mas a malandragem também é considerada uma espécie de “justiça individual”, um meio do indivíduo desprivilegiado reagir a sociedade. Como disse um grande mestre meu, “bom seria a boa malandragem do brasileiro”, aquele artifício que fugindo um pouco da regra, ainda assim não prejudicaria nenhuma das partes e resolveria a situação. Mas a expressão também possui seu lado romântico, lembrado com carinho pelo imaginário popular.
O Malandro
A origem do malandro nos remete ao Rio de Janeiro do século XIX com seus traços ainda coloniais, anteriores a radical urbanização de 1902. O centro urbano era ponto de encontro de escravos alforriados, ou de senhor (Câmara Cascudo). Neste ambiente organizaram-se as maltas de capoeira, gangues que tinham como sua zona de influência as chamadas freguesias, a menor porção no antigo sistema português de divisão administrativa. Estes bandos estavam envolvidos em atividades criminosas, disputas de território e “vadiagem”. Assustavam a população do Rio de Janeiro com suas brigas e bagunças. Meu avô me falava também sobre um homem a quem conheceu, contava como o sujeito era hábil em colocar uma navalha no dedo dos pés, e como girava suas pernas com tamanha destreza na hora da briga. Apesar desta figura datar de meados da década de 30, existem relatos de tal técnica desde o surgimento das maltas.
Posteriormente seriam protegidos por políticos, utilizados como massa de manobra, perdendo o seu caráter independente. O voto não era secreto naquela época, e cabiam aos capoeiras através de sua força, manipular a população. Segundo muitos autores, tal como Plácido de Abreu, autor de “Os Capoeiras”, a capoeira não possui origem na áfrica, mas nos grandes centros portuários brasileiros, que permitiam ao escravo grande intercâmbio com outros grupos de escravos. A capoeira adquiriu com o tempo uma imagem negativa, associada a marginalidade e a violência. Sofreu várias ondas de repressão, desde a época de Don João, o célebre Miguel Nunes Vidigal (1745-1843), personagem emprestado pelo do romance “Memórias de um sargento de milícias”, ficou conhecido por sua intolerância às Maltas neste período. A fatídica política de Sampaio Ferraz durante a República Velha viria a por um fim as maltas, no final do Século XIX, as Maltas perderam seu poder, os capoeiras eram presos e muitas vezes desterrados em Fernando de Noronha. Por fim a capoeira tornou-se uma prática ilegal.
Artigo 402 do Código penal Brasileiro de 1890
“Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal, conhecidos pela denominação de capoeiragem: andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumulto ou desordens. Pena: Prisão de dois a seis meses.”.
A imagem da capoeira seria restaurada décadas mais tarde com a ajuda da elite intelectual, algum deles capoeiras, passaram a defender a prática como uma forma de identidade nacional.
O Rio passa também por uma grandes mudanças no início do século XX, a cidade sofre uma reforma radical durante o governo de Francisco Pereira Passos em 1902. Em 1904 ocorre a Revolta da Vacina.
A cultura da capoeira no Rio de Janeiro sobreviveu na figura do bamba, palavra que significa “mestre”, fazendo alusão ao domínio do capoeira sobre seu corpo e sua agilidade. Eram membros dos blocos que representavam sua comunidade nas festas, encontrados também em rituais religiosos. Aos poucos o bamba passa a ser chamado de malandro. De chapéu panamá, camisa de seda e sapatos elegantes, o malandro estava associado ao jogo, a brincadeira e outros hábitos da vida boêmia. Não estava mais associado ao crime, mas a um estilo de vida. Ainda se envolvia em brigas: a navalha era a arma inseparável, sempre em seu bolso. A camisa de seda não era apenas por elegância, já que o material foi usado desde a antiguidade com o intuito de proteger contra cortes. O chapéu também servia como escudo na ora da bagunça. A figura romântica do malandro foi imortalizada pelo samba, cantando o sujeito brincalhão, que apesar de sua malandragem é o fiel amigo não só das mesas dos bares, mas nas dificuldades da vida.
Também vive na imagem de Zé Pilintra, uma entidade da Umbanda, patrono dos boêmios e amigo nos terreiros, é um guardião que sabe gingar as dificuldades.
A Ópera do Malandro”, de Chico Buarque de Hollanda, 1979
Referências Bibliográficas
LOPES, Nei. Enciclopédia Brasileira Da Diáspora Africana São Paulo: Selo Negro 2004
CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 5.ed. Belo Horizonte Itatiaia, 1993. CUNHA, Geraldo da (1976).
PIRES, Antonio Liberac Cardoso Simões. OS INTELECTUAIS, A CAPOEIRA E OS SÍMBOLOS ÉTNICOS NO BRASIL.