Primeira viagem de moto sozinho: Núi Dinh

por

Vietnam

2018-11-23

No final de 2013, decidi fazer minha primeira aventura solo de moto e acampar sozinho em uma montanha. Escolhi um lugar que fica entre Saigon e Vung Tau, Núi Dinh, uma montanha quase solitária em uma planície, próxima ao litoral.

Já havia visitado o local antes com um amigo.

Comprei uma barraca, e uma faca de sushi, preparei uma carta de navegação (pois na época não tinha smart phone) já que seria minha primeira viagem de moto sozinho, me baseando apenas na memória do caminho como referência.

Enfim saí pela manhã, estava vestido com uma jaqueta leve, máscara e óculos clássicos de motoqueiro, demorando uns 40 minutos para sair do trânsito complicado e chegar a ponte de Saigon. Fui bem cuidadoso com os pontos da policia rodoviária, este foi um dos meus maiores temores.

Estava na estrada com minha Honda Dream 120cc, colocando em prática todas as lições que aprendera. Cheguei em uma localidade agradável, após pegar um ferry boat e cruzar um rio (Dong Nai), sem dúvida o início simbólico da viagem. Desembarquei e após alguns minutos de viajem, me vi com meu primeiro problema: parte do caminho que eu havia planejado cortava uma área militar.

Desmontei e fiquei a observar de uma distância discreta o movimento dos transeuntes: havia uma fila de civis que cruzava um portão guarnecido, não lhes eram cobrados documentos e nenhuma satisfação por parte da guarnição. Decidir me juntar a eles e empurrei minha moto, estava com o rosto coberto e passaria facilmente por um Vietnamita como sempre. De última hora desisti, parei minha moto e baixei minha máscara. Houve um rebuliço entre os soldados, um garoto de uns 19 anos bloqueou meu caminho com uma postura rígida, mas seu rosto mostrava um desconforto, como se ele nunca tivesse feito aquilo. Estava com seu fuzil AK-47 e uma bela farda de marinheiro. Expliquei minha situação, que desejava chegar a estrada principal e que estava de viagem, foram todos educados e me indicaram o caminho mais longo que eu não desejava tomar.

O resto correu bem, e por fim avistei as montanhas no Horizonte. Infelizmente errei a entrada, erro que já calculara no meu planejamento. Eu utilizei a torre de uma igreja como referência, mas acabei encontrando outra, e entrei na montanha errada. Procurei uma lan house pra poder usar o google maps. Por fim, me localizei.

A subida foi linda, finalmente tirei máscara e óculos e abri minha jaqueta. O ar era puro e fresco, com o cheiro das árvores. Subi alegremente pelos ziguezagues das verdes encostas, parando somente em um pequeno oratório, onde pedi licença aos deuses daquela montanha.

Por fim cheguei ao alto da colina, lá existe um café, com uma piscina e uma vista para o litoral.

Ali perto, existe uma trilha no mato, que em 5 minutos de moto nos leva a um templo budista fantástico, construído nas pedras!

Voltando a estrada principal pavimentada e indo para o norte, existe uma ponte que atravessa um riacho. Lá pra baixo existe um mosteiro e sua comunidade não muito interessantes e um tanto carrancudos. Em cima, uma comunidade, que infelizmente está a transformar a parte alta do riacho em um débil resort, atraindo muitos turistas porcalhões em caravanas de ônibus. Seguindo, encontramos algumas entradas nas matas que dão para residências de monges, e por fim, no extremo norte, a cozinha do mosteiro e a casa de um monge que fiz amizade.

A cozinha é edifício simples, mas de estrutura tradicional, com fogão a lenha e mesas. Fui recebido pelos caseiros, que me ofereceram um almoço. A comida é vegetariana.




Após o descanso, subia a montanha sob protestos: o Vietnamita comum não está acostumado a trilhas, acampamentos e montanhismos, todos ali presentes, inclusive uma jovem estudante universitária, não entenderam porque eu passaria uma noite tão desconfortável e perigosa. “Nao va, ha espíritos e tigres lá em cima” ao que respondi “aos espíritos tenho minhas orações, e aos humanos e os tigres tenho minha faca”. Confiei minha moto aos amigos caseiros, bem amarrada com uma tranca de corrente.

 

Subi a montanha, e apesar da paisagem distante ser composta de pinheiros, era mata parecida com a nossa Atlântica e muitos bambuzais. Cheguei ao topo após uns 30 minutos, mas passei 1 hora procurando um local para acampar. Como todas as clareiras faziam parte da trilha, decidi acampar em uma ramificação da trilha, com uma pequena clareira. Montei acampamento rapidamente, e comecei a catar lenha. A fogueira estava pronta já na escuridão. Fiz um churrasco, bebi e toquei minha flauta. Era a primeira vez na vida que acampava sozinho em uma floresta. Nui Dinh e uma bolha, no meio de uma área rural, não há tigres, e se alguém se perder, basta seguir os distantes mas presentes sons da civilização, ou andar em linha reta.

Mas tive medo, o vento que cortava o vale ao norte, uivava, as folhas dos bambus se mexiam. Seriam pessoas? Ou animais selvagens? E espiritos? Dormi agarrado a minha faca embainhada.

Acordei com calor pela manhã, recolhi acampamento e ja estava na estrada ao meio dio.

Voltei a acampar lá por mais 3 vezes, mas desta vez, sempre próximo ao vale, a uns 60 metros da cozinha, armando a barraca as costas da imagem da deusa Kanon, como forma de proteção.