Japão
2024-05-08
Mocinhos armados com katanas, que lutem em nome dos pobres, seguindo todas as nobres virtudes do Bushido, O Codigo dos Samurais. Esses cavaleiros da liberdade, negam a riqueza material, e lutam contra aopressao de viloes ricos. Sera que os samurais realmente eram assim?
Essa e uma descricao do samurai, pela otica do cinema japonês do século XX, sendo o protagonista desses contos na maioria das vezes, o rebeldes que defendem os pobres e oprimidos. Suas espadas são uma ferramenta para lutar contra a opressão de um sistema corrupto, sao a expressao do honne (本音 – visao individual em japones). Embora a história possa ser ambientada no tempo dos samurais, a maioria desses filmes encontra suas fontes em obras literarias do século XX, epoca em que o Japao passava por inumeras mudancas socio-culturais, e muitos questionamentos a respeito de sua idadentidade. A arte muitas vezes fazia uma criticade ao modelo de poder tradicional e autoritario, e a crescente ameaca fascista (vide o conto Rashomon).
O público ocidental entende isso de forma equivocada, tomando esses personagens de filme como modelo do samurai, enquanto a verdadeira classe buke era o oposto disso. A classe samurai era rica, corrupta, e o regime Tokugawa era um sistema ditatorial e extremamente hieraquico. A literatura original do samurai estaria muito mais relacionada à obediência, lealdade e auto-sacrifício ( tatemae 建前 visao coletivista). O samurai falhava em alcançar a vitória, mas sacrificava tudo no processo, apenas pela lealdade.
Kaishu Katsu, um dos homens de confianca do Shogun, considerado um dos fundadores do Japao moderno escreveu isto anos apos a revolucao que acabou com os samurais:
“Se eu fosse extremamente rico, tenho certeza de que seria capaz de restaurar esse espírito [O Bushido] dentro de quatro ou cinco anos. O motivo para isso é simples. Durante a era feudal, os samurais não precisavam trabalhar nos campos nem vender coisas. Eles tinham os agricultores e os comerciantes para fazer essas coisas [por eles], enquanto recebiam estipêndios de seus senhores feudais. Eles podiam passar o tempo ocioso de manhã até a noite sem se preocupar em não ter o suficiente para comer. E assim tudo o que tinham que fazer… era ler livros e fazer alarde sobre coisas como lealdade e honra.”
Mas há outra peça sobre a qual precisamos falar: o gênero literário chines, Wu Xia, também muito presente no cinema, tem tradicionalmente os pobres e oprimidos contra os poderosos corruptos em sua essência (mesmo antes do Partico Comunista Chines CCP). Embora eu possa sentir muitos elementos individualistas 本音 em sua narrativa, a principal diferença da narrativa de esquerda com a qual estamos acostumados é que seus personagens, homens e mulheres jovens e cavalheiros, usam suas espadas como uma ferramenta do Mandato do Divino para derrubar algum poder corrupto, a fim de restaurar a ordem 義 (geralmente baseada em um sistema tradicional). Wu Xia tem sido usado durante séculos para expressar a luta de cada geração, e as obras do início do século XX (antes de Mao) expressam o desejo de finalmente romper os laços com o sistema confucionista e ter mais liberdade individual. Posso dizer que as artes marciais chinesas estão historicamente ligadas a essa luta, já que a sociedade chinesa estava muito mais distante de sua elite, enquanto no Japao a elite possuia um convivio maior com o povo, as distâncias sociais eram maiores na China, e as castas tiveram um forte impacto a longo prazo. Diferente do budo japonês, o “Kung Fu” também era muito difundido entre os plebeus, a China é uma nação muito diversificada e enorme em comparação ao Japão. Essas artes marciais foram os instrumentos de muitas rebeliões de camponeses, revoltas nacionalistas, piratas e mercenários etc.
O público ocidental também acaba por pegar essas nocao do cinema chinês, e as coloca no mesmo recipiente do japonês. E lembre-se que o movimento que popularizou as artes marciais para a indústria cultural ocidental, sofreu todas as mudanças dos anos 60 (hippies), 70 e 80, então foi interpretado e reinterpretado com os olhos de seu público.