O Templo Ông, Cidade de Can Tho

por

Vietnam

2018-09-26

No começo de julho passei um final de semana em Can Tho, a mais populosa cidade do delta do Mekong, cidade famosa por seus templos, frutas e um ritmo de vida agradável.

” gạo trắng nước trong
Ai đi tới đó lòng không muốn về”

“Cần Thơ,arroz branco, águas puras,
Quem aqui vem, jamais quer daqui sair.”

No final da tarde, em um passeio, parei para observar uma praça com uma grande estátua do Tio Ho, mal parando para fazer algumas fotografias, os céus que já anunciavam uma tormenta se precipitaram. Tive tempo apenas de ver meu amigo arrancar com sua motocicleta, enquanto eu corria em busca de abrigo. Acabamos nos reencontrando mais tarde em frente a uma construção com traços chineses. Meu amigo me aguardava em frente ao segundo portão do templo, junto com alguns homens de meia idade, sendo convidado para entrar, me assustei com as qualidades do local. Mal sabia eu que seria aquela noite, surpreendido pela minha própria sorte. Ao entrar no templo, deparei-me com 2 figuras carrancudas pintadas em suas portas de madeira, no que logo pensei – Guan Yu Chan! – Acontece que toda figura chinesa barbada me lembra Guan Yu, logo imaginei estar enganado, até ler em os caracteres chineses para o seu nome nas paredes: 关羽 kanmu(em pronúncia japonesa).

Guan Yu (160 – 219?) 关羽

Guan Yu é uma das figuras mais célebres da cultura oriental, personalidade respeitada por budistas, taoistas e confucionistas. É um dos grandes nomes que fizeram história no período, na guerra entre os 3 reinos da china (220-280 de nossa era), que deu origem a obra “O Romance dos 3 Reinos” (三国志, século XIV, por Luo Guanzhong – 罗贯中).Foi um dos homens que juraram irmandade no jardim de pessegueiros, ao lado de Liu Bei e Zhang Fei, lutariam pelo estado de Shu (Dinastia Han do Leste). Na época a China estava dividida em 3 grandes estados, que lutavam entre si pela soberania, Liu Bei possuía parentesco com o imperador e lutava para reestabelecer a dinastia Han.

A grande admiração e carinho que o povo possui por Guan Yu, não é advinda do fato de ter sido um grande guerreiro, quase invencível a ponto de receber o título de divindade da guerra em certas instâncias, mas de seu caráter inabalável. Guan Yu havia jurado lealdade a Liu Bei, porém recebera a proposta de lutar pela causa de Wei, em ocasião de visita a Cao Cao (estado de Wei), personagem celebre por sua astúcia, conhecido pela frase “prefiro trair a todos, a ser traído”. Guan Yu estimava muito Liu Bei, e apesar de todas as promessas e ofertas de presentes (dinheiro, cavalos e até mulheres), o general manteve sua lealdade inabalável. Dias mais tarde provaria sua palavra, tendo permissão formal para partir (mas sem uma permissão prática), teria de passar por cinco portões enfrentado diversos desafios e inimigos, para enfim voltar a Liu Bei. Era conhecido por seu senso de justiça inabalável, e consequentemente por não tirar a vida de um ser humano sem motivo. Pouparia a vida de Cao Cao mais tarde, quando sua cabeça poderia ter levado o estado de Shu a uma grande vitória. Foi morto em 219, apesar do reino de Wu possuir envolvimento em sua morte, Liu Bei é considerado o responsável indireto por sua morte, por não ter ouvido os inúmeros conselhos de seu maior estrategista Zuge Liang, relativoa a posição de Guan Yu. Apesar de Cao Cao ser um de seus maiores inimigos formais, este lhe nutria grande respeito, e providenciou um funeral com as honras devidas, tendo mandado esculpir um corpo substituto de madeira para sua cabeça.

No ocidente a honestidade teimosa de Guan Yu, chega a ser confundida com certo egoísmo e orgulho. A figura do grande general é ainda venerada entre praticantes de Kung Fu, como um de seus patronos. Sua figura foi imortalizada como um homem de grande porte, longa barba, vestes verdes, montado em uma belo cavalo vermelho, com sua grande arma em punho: Gwan Dou ou kuan tao (關刀). Esta arma possui mais de 2 metros de comprimento, lembrando uma lança com gume em formato de cimitarra, com grande peso, exige certa maestria do indivíduo que o empunhar. Confesso que também nutro desde criança um grande respeito pela figura do general, tendo sua história me inspirado em diversas situações.

Pude então checar a informação com a responsável do templo e aprender um pouco sobre a história do local. A arquitetura do Templo de Ông é chinesa, lembrando algumas construções do século XIX, onde se verifica a existência de uma abertura ou hall em frente ao centro da construção. No final do século XIX a cidade de Can Tho prosperava, e como ali residiam alguns chineses, estes encomendaram a construção do templo, tendo se dado entre os anos de 1894-96. Parte do material fora trazido da China, tais como algumas madeiras, e objetos sagrados. Sua configuração foi inspirada no caractere chinês guó 國, para nação, em seu centro encontramos o altar principal dedicado a Guan Yu, e a mais duas divindades.Armas chinesas tais como um kuan tao semelhante ao usado por Guan Yu podem ser encontradas ao longo do templo. Em uma divisão a esquerda verificamos ainda, um altar a deusa Kan’non, muita cultuada também no Japão. Do teto perduram-se vários incensos em formato de espiral, conferido ao local atmosfera.