O pesadelo Japonês das horas extras: Zangyou!

por

Japão

2019-03-12

“Seria bom se o Japão passasse por uma crise, precisamos de uma sacudida para evoluirmos. O mundo evoluiu mas o Japao parece parado no tempo. Estamos estagnados”

K.M, empresario.

 

No Japão é comum os empregados trabalharem longas horas extras que podem ser remuneradas ou não, de acordo com o regime da empresa. Em um meio corporativo nipônico tradicional, o empregado que trabalha longas horas é muito bem visto, diferente do ocidente, hábitos como dormir na mesa de trabalho demonstra o quanto se é dedicado. (No ocidente sabemos que dormir no trabalho é morte certa)

Existe um romantismo quanto ao trabalhador japonês, que de fato é extremamente dedicado e caprichoso, mas a realidade é bem diferente, o Japão está entre os países com menor índice de produtividade entre o G7, e muito mal colocado entre o OECD.

 

Por experiência própria, percebi que muitas dessas pessoas que trabalham longas horas eram na verdade os profissionais menos eficientes, com uma deficiência na organização de suas tarefas, e uma terrível letargia.

O fato é que pessoas cansadas trabalham mal e produzem menos.

Um problema cultural

O problema é que, para o Japão, a produtividade não é o ponto. A cultura profissional é baseada em inputs (um dia inteiro cheio de reuniões, muita papelada e tarefas burocráticas) ao invés de baseada em resultados. Longas jornadas e serões não são um meio para atingir resultados, mais sim um meio de valorização, demonstrando devoção à organização e comprometimento com os membros da equipe, valorizando uma imagem e não os resultados práticos.

Existe também, o pensamento do ganbare (頑張れ), de que os problemas devem ser resolvidos com empenho e esforço. Em muitas situações, é importante reconhecer as falhas e mudar a abordagem do problema, mas no Japão existe uma aversão a mudanças, portanto muitas vezes persiste-se no mesmo problema por meses ou até anos.

A preferência por  cargos de gerência ocupados por pessoas mais velhas (tempo de casa e não competência) faz com que o ambiente não seja receptivo a mudanças.

Numa cultura que presa a obediencia e a uniformidade, existe pouco espaço para a versatilidade. A maneira com que pequenas decisoes são tomadas durante as tarefas diárias, como a escolha de prioridades, e a ausência de uma educação que valoriza o pensamento crítico.

Homem x Mulher

Culturalmente o homem possui o papel do provedor, sem a responsabilidade de dividir tarefas domésticas com a esposa, isso o coloca com a total responsabilidade financeira pela família e em consequência, a sobrecarga do trabalho. O fato do Japão ainda ser um país extremamente machista, pagando salários inferiores às mulheres, torna as jornadas de trabalho femininas um verdadeiro calvário. Muitas mulheres possuem, além de seu emprego regular, bicos(arubaitos) para poder obter seu sustento. Isso força muitas mulheres a abandonarem o mercado de trabalho para se dedicarem às tarefas do lar.

Horas não remuneradas

No Japão, o sabisu zangyo (horas extras não remuneradas) é uma prática extremamente comum. Particularmente no difícil  cenário econômico dos últimos anos, muitas empresas japonesas restringem a quantidade de horas extras que cada funcionário pode reivindicar, por exemplo, 20 horas por semana. No entanto, com muito trabalho a ser feito, o que é exacerbado pela redução da contratação, os funcionários sentem muita pressão interna e externa para passar mais tempo no trabalho, mesmo que não seja compensada.

O Japão é conhecido por sua honestidade e disciplina, mas se tem uma coisa que é desrespeitada e burlada são as leis trabalhistas. As empresas encontram vários meios de burlar as leis, como contabilizar horas extras no mês seguinte, pagar horas extras em um valor fixo mensal, independente do empregado ter feito ou não. Pela lei, deve haver um intervalo entre as horas regulares e as extras, mas algumas empresas contabilizam este intervalo como os “15 minutos de antecedência” que o funcionário deve chegar ao local de trabalho.

Mesmo com 191 casos anuais de karoshi em 2018 (morte por sobrecarga de trabalho) , para que o governo tome uma atitude, é preciso que haja algum caso grave como suicídio, como foi o caso da empregada da Dentsu, Matsuri Takahashi de 24 anos.

Muitas empresas estão tentando mudando este quadro, com politicas mais dinamicas.
Infelizmente a cultura das aparências e o velho pensamento de que tudo deve ser resolvido com grande esforço ainda persiste.

Normas profundamente arraigadas na cultura japonesa, como o valor espiritual atribuído ao esforço e sacrifício, estimulam longas jornadas de trabalho.

Este fenômeno também é observado na Coreia do Sul, para atravessar o período de pobreza após um sofrido pós guerra, não havia outra escolha senão arregaçar as mangas e trabalhar duro. Mas os tempos mudaram, ambos os países já atingiram um bom patamar de desenvolvimento. Atualmente, é preciso adotar a postura que muitas das grandes empresas do ocidente adotaram: não é mais sobre a quantidade de horas trabalhadas, mas sobre o quão dinâmico o processo de trabalho pode influenciar nos resultados.