Conto: Sob as estrelas da Eternidade, o castelo de Tsumago

por

Japão

2019-03-14

Cercado por montanhas, o vale de kiso exibe sua antiga beleza sempre a sombra do imponente monte Ontake que ainda era visível naquela noite de poucas nuvens. A vegetação de coníferas desce do topo das montanhas até o sopé, restando apenas aos altos picos uma careca nevada. O rio Kiso corre, mesmo com alguns trechos secos pelo inverno.

Em meio a esta majestade coberta pela  escuridão existe um tímido morro. Nota-se um pequeno tremular luminoso. Ali está o viajante, aquecendo-se no cume do morro, um rapaz coberto de um sobretudo surrado ao lado de uma pilha de galhos e gravetos secos,  abaixado ao lado de uma velho telheiro onde abrigou sua bagagem.

Ao alimentar o fogo, diverte-se com a lembrança de como começou seu dia. Viera de trem, e descera na estação de ônibus. Subira a pe a estrada que ligava a vila de tsumago juku ao  monte. Caminhava paciente a seu objetivo secretamente, e aos poucos deixava pra trás a vila, entrando em uma área de fazendas, com poucas casas e suas culturas de chás e outras ervas. Não estamos ainda no auge do inverno, portanto a neve ainda não cobriu todos os campos e o telhado das casas. Resta um pouco por ai, restos da última nevasca que resistiram na sombra dos edifícios e das matas. A face oeste e portanto a mais fria.

Enfim adentrar uma área de vegetação mais densa, subindo agora em direção ao morro. Passa por um último edifício, uma casa de chá abandonada, e adentra então a mata pela estrada de terra mais estreita. Sempre subindo, chega então a um extenso bambuzal onde outrora estender-se o fosso de um castelo. São longos e grossos de um verde gostoso de se olhar, capturam os olhos numa paisagem seca de inverno. O viajante deixa-se contemplar por alguns minutos, detendo seu ritmo cada vez que a profundidade do antigo fosso apresenta-lhe mais fundo ao bambuzal. Por fim chega a ponte de terra que dá acesso a antigo pavilhão do castelo. Das ruínas nada resta senão as formas de fossos e as bases onde haviam de estar as pedras. Não devia ser um castelo muito grande, nem de se exibir. Não deveria haver um torreão muito menos yaguras, mas uma paliçada de madeira e estuque. São hoje montes de terra, cobertos por uma vegetação rasteira.

Vai subindo a rampa de terra e chega então ao topo.

Alguns pinheiros e pedras são as únicas silhuetas. As pedras são monumentos com inscrições já ilegíveis, chama-lhe atenção duas delas, com bases quadradas e de trabalho mais rude. Estão bastante desgastadas, estas provavelmente datam do século XIX..

O fogo já está bom, pode então preparar sua refeição.

Agora a temperatura negativa cai aos poucos. Com o fogo já sentado, ao  céu limpo pode observar a eternidade

-Eu peco-lhe um favor meu senhor, desculpe-me interrompê-lo aqui, mas o senhor não pode fazer fogo aqui.

O rapaz vira vagarosamente tentando esconder seu espanto.

A figura de um senhor apresenta-se amigavelmente com um estranho dialeto.  Não estava sorrindo, apesar da voz ter soado de forma quase amável. Mas também não parece emanar qualquer sensação de perigo. Vestes esfarrapadas, mas alinhadas com a simplicidade e o capricho da gente simples, vestia um capacete em disco(jingasa) com a laca já bastante desgastada e portava algo que parecia ser uma wakizashi (espada curta) ou  um tanto (adaga).

-Neste caso farei minha refeição sem fogo, terei que recorrer aos enlatados.

-Mas se esta e a razão do fogo… me acompanhe meu senhor. Pensei que quisesses apenas te aquecer.

-De maneira alguma quero quebrar as leis deste bosque, ou mesmo causar algum incêndio, isto seria desastroso.

Vou apagar agora mesmo.

-Pode fazer teu fogo, mas faço-o em outro lugar, porque daqui de cima o inimigo pode ver te.

-Inimigo?

O senhor apontou para a montanha mais próxima, a leste:

-Ali, no meio dos arbustos dispõe-se de um atirador. Fica difícil de pegar alguém aquela distância toda, mas se sentirem o cheiro da tua comida, saberão que este teu fogo não é um mero archote e vão disparar.

-O inimigo???

-Sim. Vê os pontos luminosos no sopé da montanha? A a linha mais avançada! Estamos fazendo o inferno para não passarem dali.

-Mas quem é o inimigo?

-O exército de Tokugawa em seus alguns milhares.

Mas o chefe da guarda me pediu para vir aqui avisar. Não se preocupe, ele não está zangado, só não quer que o rapaz leve um pipoco.

Fez se uma pausa.

-Seguirei o senhor, mas quero saber se nao quer dividir minha ração?

-O meu jovem senhor Yamamura ficará satisfeito se vós pudésseis dividir algo com nossos feridos. Estamos ficando sem comida e munição.

Agora se puderes me acompanhar…

E distraindo-se por um instante, o Viajante notou que a misteriosa figura havia desaparecido.

Antes de dormir, na base de uma das pedras, ofertou incenso e um pouco de arroz.

Pela manhã juntou suas coisas e partiu.

 

Nota historica.

O Castelo de Tsumago, construido no seculo XVI aos moldes dos fortes,

foi palco de um cerco, a continuacao da batalha de Komaki e Nagakute(小牧・長久手の戦い) entre as forcas de Hashiba Hideyoshi e Tokugawa Ieyasu, que ocorreu no ano de 1584(天正10年).

Estando sob o domínio do clã Kiso, foi ordenado a Yamamura Yoshikatsu que defendesse a posição, contra as tropas  de Tokugawa que somavam cerca de 7 milhares. Apesar dos defensores estarem em inferioridade (cerca de 300 homens), as tropas leais a Hideyoshi prevaleceram.

Maquete que esta esposta em um museu em Tsumago. Bandeiras azuis e brancas: Tokugawa e Kiso respectivamente.

 

O castelo foi desmantelado posteriormente, em 1616.

Sem grandes elaborados paredoes de pedra, e com uma simples paliçada de madeira e terra, era uma fortificacao simples, sem os ares de esplendor dos grandes castelos japoneses.

Aos pés do castelo está a vila de Tsumago, que foi um importante posto na rota de Nakasendo que ligava o Edo (Tokyo) a Kyoto.

As ruínas do castelo, assim como a vila, podem ser visitados ainda hoje e são patrimônio histórico protegido pela Unesco.

 

*yagura: torres de defesa dos castelos japoneses, muitas vezes imitavam a arquitetura do torreão principal.