Como era dificil ser otaku nos anos 90!

por

Brasil

2020-07-28

Este texto é para você que nasceu com a internet! Ou para voce, que como eu, foi criança nos anos 90. Não tenho como objetivo dizer que a minha geração foi melhor que a sua, mas quero apenas expor como o mundo era bizarro.

Quando era criança, tinha um medo muito grande: o de nunca mais ver um filme, nunca mais escutar uma música. Mas porque?

Final dos anos 90, a internet era para poucos, computador era coisa de trabalho ou jogos e também não era para muitos. Nenhum jovem usava celular. Ficávamos sabendo das coisas de boca em boca, através de revistas ou em eventos (coisa que era rara fora das grandes capitais). Havia na sala de cada família um altar, com uma televisão e possivelmente um vídeo cassete. Ao seu lado, um oratorio para os deuses auxiliares, com uma vitrola ou um toca CD com fita k7. Algumas dessas familias, de classe media, possuiam TV acabo.

Nao haviam redes sociais, Netflix, youtube, se você quisesse escolher o que assistir, tinha que ir até uma locadora de VHS e tudo demorava meses para chegar la. Em geral, toda criança se alimentava dos programas infantis da Manchete, Globo, SBT e CNT, que eventualmente exibiam animes.

Existia um horário sagrado, no qual seriam exibidos suas séries preferidas e você fazia de tudo para ter sua hora respeitada.

Nunca mais ver um filme, nunca mais escutar uma música. Isso era uma possibilidade real, em um mundo sem internet, onde pessoas com o mesmo gosto que voce, não estavam ligadas. E as coisas simplesmente não chegavam até o Brasil! Tenta achar um simples estojo do Goku naquela época. Não havia nada de merchandising de animes. Se eu encontrava uma estampa de anime, colocava em um altar! A vida era feita de recortes, de retalhos de mídias ou produtos piratas garimpados durante anos. Se você não morava no Rio ou São Paulo, tudo chegava atrasado. O meu contato com o mundo eram pequenas revistas de anime, que falavam sobre séries que eu jamais teria acesso. Passava meses, ate anos namorando aquelas revistas. Com isso criei o hábito de colecionar imagens impressas e posteriormente digitais. Os jogos de videogame não eram traduzidos para Português, e muitas vezes nem mesmo para o Inglês, jogavamos na marra, e foi assim que eu e meus amigos aprendemos inglês.

A primeira vez que vi Evangelion, fiquei maravilhado. Nunca havia assistido a nada como aquilo antes. Violência, sexualidade, efeitos visuais e uma trilha sonora impactante faziam os animes que o brasileiro médio estava acostumado (DBZ, CDZ..) parecerem uma coisa boba. Foi na casa de uma tia que tinha Direct Tv com o canal Locomotion. Quando saí da casa dela, não demorou muito para fazer o calculo mortal: ninguém na minha familia tinha Direct Tv, era muito caro, logo eu nunca mais ia ver Evangelion na minha vida. Fiquei mal, bem mal. Precisava ver aquilo de novo. Como explicar para os meus amigos toda  aquela magia?

Pois nas férias seguintes voltei a casa de minha tia munido de uma fita vhs, com a missão de gravar tantos episódios de Evangelion quanto possível! A partir dai, sempre levava fitas VHS todas as minhas férias e gravava o máximo de animes possíveis da Locomotion.

Nascia um habito.

Quando era moleque na década de 90, não gostava de rock e muito menos do popular da época.  Me pergunte sobre bandas brasileiras da década de 90 e não conheco nada (talvez Mamonas Assassinas). Não conseguia memorizar letras, e demorei muito tempo pra entendê-las. Para mim eram um conjunto de sons, pois a voz humana me soava apenas como mais um instrumento. Gostava mesmo era de música orquestrada, passava as viagens de carro a tocá las com meu nariz. Sabia de cor a trilha do jogo Rei leão. Com o tempo me apaixonei por James Hornet. Meu primeiro CD foi a trilha sonora de Titanic, o qual tenho o orgulho de dizer que conheço cada detalhe. Até a minha oitava série (2002) eu tinha apenas 4 cds. Guardava a maioria das músicas na minha cabeça. Com o tempo, passei a fazer o mesmo que fazia com animes, passei a gravar todas as minha músicas em fitas k7. Gravava aberturas de anime, trilhas de jogos, temas de filmes tocadas durante os créditos, segurando um microfone conectado a vitrola. Adorava os menus de sound test nos jogos de playstation. Meu melhor amigo possuía um gravador portátil, o qual batizamos de happy music. Trocamos fitas para gravar as musicas que não tinhamos. Até 2003, não tinha uma internet e um computador que pudesse baixar mp3 pelo Kaza. Mesmo depois disso, confesso que ainda gravava minhas fitas até 2006. E quero lembrar a vocês que antigamente as coisas estragavam! Fitas VHS e k7 podiam quebrar com muito uso, ou em um aparelho ruim, cds riscavam e paravam de funcionar com o tempo.

Com o tempo, passei a encontrar na internet, todas as músicas que havia escutado por anos. No início foi difícil de baixar, mas com o passar dos anos ficou fácil de encontrá las até no youtube. Estranho para mim usar Spotify. Nao gosto da sensação de que não possuo aquela música. E as coisas perderam aquele gosto de luta, de raridade. Hoje em dia não salvo mais imagens no meu HD, porque está tudo na internet.

Como disse, nos anos 90 / 2000, existia um horário sagrado para ver suas séries. Ate hoje não gosto de ver séries com episódios seguidos um do outro. Acho uma falta de respeito ver filmes e séries no celular, na rua. Mantenho o hábito de ver um episódio por dia, num mesmo horário, pois quero sentir um pouco daquele gostinho. E ai daquele que pula abertura de animes!

A vocês da nova geração, eu lhes digo que nosso tempo era uma merda, mas cada conquista tinha um gostinho que não sentimos mais hoje, ja que temos acesso a tudo quando queremos!