Trabalhando em uma empresa Japonesa: primeiras impressões

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Japão

2019-08-01

Em 2012 entrei para a Grateful Days.inc, no Vietnam, como Trainee sendo efetivado um ano mais tarde, pude vivenciar várias situações dentro de uma empresa de TI japonesa.

Anos mais tarde, em 2017, fui contratado pela Alive no Japão.

Apesar de conhecer de perto a cultura nipônica e sua base cultural e histórica, descobri que pouco sabia sobre a cultura corporativa.

Empresas de TI, como em todo o mundo, possuem um perfil mais versátil, pude sentir muitos dos aspectos citados abaixo, mas de maneira um tanto diluída a novos hábitos, mais flexíveis e inovadores.

 

O Shinsotsu 新卒一括採用

Todo ano, dezenas de estudantes universitários do terceiro ano, engravatados em seus ternos, lotam os auditórios de grandes empresas, para assistir ao setsumei-kai, as palestras que explicam a cultura da empresa e o processo seletivo.

O processo do Shinsotsu refere-se aos recém graduados, que começam a procurar emprego logo no penúltimo ano da universidade. Eles almejam garantir uma vaga de emprego em uma empresa de renome, onde tradicionalmente passariam o resto de suas vidas profissionais, galgando um plano de carreira seguro, com base em promoções nos anos de casa. O nome da universidade conta muito mais do que a experiência do indivíduo, diferente do Brasil, o papel do estágio não é fundamental na vida estudantil. O estagiário Japonês, nem sempre é remunerado e acaba por desempenhar tarefas simbólicas. Enquanto um estudante Brasileiro calejado, chega ao último ano com uma boa bagagem profissional e uma considerável expressão crítica, o recém formado japonês está quase cru, a empresa prefere uma pessoa sem muita experiência, a quem possa derramar sua corporativa a seus moldes.

Claro,  existe a opção de se trocar de empresa durante a carreira, mas as leis e o mercado de trabalho possuem políticas que acabam incentivando o funcionário a permanecer na mesma empresa, como por exemplo, mais dias de férias de acordo com o tempo de casa.

 

Hierarquia

Na sociedade Japonesa existe uma hierarquia muito bem definida pelo comportamento. O conceito de “veterano” e “júnior” são essenciais para se entender estas relações.

Gestos que seriam vistos como “puxa saco” não são incomuns, como o mais jovem servir cerveja ao mais velho. Ou às vezes um veterano elogiar um funcionário mais novo em demasia. Tudo isto é uma forma de manutenção da cortesia.

Faz se mister o zelo pelo vocabulário em ambiente de trabalho, mas com o idioma japonês é preciso ter um cuidado ainda maior.  O português limita-se a um vocabulário mais polido enquanto conversamos com um superior, a verdade é que como pessoas estamos sempre lhe dando de igual para igual. No idioma japonês precisamos adotar uma postura mais humilde de acordo com a hierarquia das pessoas durante uma conversa. Um veterano pode utilizar-se de um vocabulário bastante informal enquanto tem com seu subalterno, mas este deve sempre manter uma polidez adequada em sua fala.

Certa vez cumprimentei um colega, e sem perceber utilizei-me de uma forma reduzida (falei como uma pessoa idosa, inclusive com a voz pois estava morrendo de sono).  Ele interpretou tal frase como uma atitude arrogante, pois eu jamais poderia ter de igual para igual, e voltou-se comigo um tanto irritado. Tive que explicar o engano e me desculpar bastante.

 

A cultura da Sociedade

Foi aqui que ouvi pela primeira vez o termo shakaijin que significa literalmente “membro da sociedade”, e é um status atribuído a pessoas que se inseriram no mercado de trabalho. Estudantes não são considerados parte deste grupo, por tanto não possuem muita expressão. O dever a sociedade vem em primeiro lugar, mais importante do que a própria família. A sociedade ocupa um papel sempre mais importante que o indivíduo, uma herança direta do confucionismo. Na cultura japonesa, fala-se muitas vezes através de atitudes e ações, e não através de palavras que por sua vez podem ser mera cortesia, desprovidas de real valor.

 

Horario de trabalho

Deve-se sempre zelar pela pontualidade ao chegar na empresa ou em compromissos como reuniões.

O termo Zangyou designa as horas extras, que podem ser remuneradas ou não. Estender o dia de trabalho algumas horas a mais é um costume comum entre os japoneses, apesar do contrato exigir que o funcionário trabalhe apenas suas 8 horas diárias, existe um tratado não escrito, um consenso comum que faz com que a maioria dos funcionários fiquem até o tardar da noite.  No Brasil, confesso que me sentia mal quando precisava trabalhar até às nove, mas aqui tornou-se um costume atingir esta marca sem grande esforço.  

 

Especialidades

O Estudante japonês começa no último ano da faculdade uma intensa corrida para encontrar um emprego. O currículo costuma ser enviado a centenas de empresas, até finalmente serem chamados. O recém formado passa então por um período de treino dentro da empresa, onde irá se familiarizar com a cultura corporativa  e aprender a desempenhar sua função.

No Brasil, a formação de cada pessoa é bastante valorizada e define sua profissão.

Em Curitiba tive um gerente que havia trabalhado alguns anos na Sony Japão, ele possuía formação acadêmica em TI, no entanto havia sido diretor de uma fábrica de motores na China, ele sabia todo o necessário sobre máquinas e acreditava que a formação de uma pessoa não deve bloquear sua possibilidade de atuação em outras áreas. Esse cara com certeza foi bastante influenciado pelo Japão!

Portanto em muitos casos, a não ser em áreas muito específicas e técnicas, como engenharia, Design, Medicina, a grande massa de trabalho é composta por administradores generalista.

Quando um estudante se apresenta, geralmente ele omite qual faculdade está cursando, mas procura citar o nome de sua universidade. O mesmo faz o empregado generalista (salaryman).

 

Comunicação

Quando saí do Brasil, ainda não se tinham grandes programas e aplicativos para se trocar mensagens internas em âmbito corporativo.  No Japão, adotaram-se aplicativos como chatwork ou skype, como o método oficial de comunicação interna. Os funcionários preferem muito mais a comunicação escrita a verbal, muitas vezes, estando no mesmo cômodo, preferir-se á a comunicação escrita, a chamar o colega ao lado. Em âmbito tradicional, também marcam-se muitas reuniões, não para discutir um assunto, mas para se anunciar o que já fora decidido previamente. Adora-se criar processos para resolver problemas. Apesar da cultura e das relações possuírem um lado um tanto sutil, quase evocando a metafórica arte nipônica, a comunicação diária e quase prolixa, dando lugar a muitas explicações.

 

Uma grande familia

No Brasil costumamos separar bastante nossa vida pessoal do trabalho, possuímos nossos colegas de trabalho, mas também possuímos nossos amigos, sem ligação com ambiente diário, e nossa família. O trabalho ocupa uma posição importante que dividimos com outros setores de nossas vidas. No Japão, a empresa ocupa um papel central na vida do funcionário, de certa forma mais importante que a família. Será nela em que passara a maior parte de sua longa jornada de trabalho, o nome da empresa é mais importante que o cargo e sua profissão, numa apresentação. Para a manutenção social, é fundamental comparecer as idas a bares após o expediente, com clientes ou colegas de trabalho. Não é incomum, profissionais apresentarem-se dizendo que um de seus hobbies é beber.

 

Pontos negativos

Todos os anos empresas absorvem legiões de recém formados  em sua fileiras,  que irão desempenhar as mais diferentes tarefas, bem diferentes de sua formação. Uma grande empresa coloca por exemplo um formando de marketing para fazer uma tarefa de web ou um administrador para desempenhar a função de um jornalista. Isto acaba influenciando na qualidade técnica e às vezes estratégica de determinadas áreas que exigem uma formação mais específica. A questão não ‘e apenas técnica, mas a percepção que cada área possui. Tive a experiência de acompanhar um estudante de direito que havia sido contratado com a função de estagiário de marketing, responsável por nossas mídias sociais. Em 6 meses de trabalho ele pode organizar os processos com muito capricho, mas obteve péssimos resultados. Seu objetivo profissional era ser contratado por uma grande montadora de carros, como um administrador.

A cultura de trabalho pode ser bastante maçante e antiquada, o apego pelos processos, formas e a aparência, em detrimento de um bom resultado, são o corolário desta cultura inflexível. Também podem haver situações de abuso por parte dos superiores e até mesmo atitudes machistas. Fora as terríveis horas extras.

O ponto positivo?

Existe grande possibilidade de se aprender novos conhecimentos completamente diferentes de sua formação acadêmica ou técnica como funcionário. E diferente do Brasil, inicialmente não se cobra muita experiência técnica do estagiário ou recém graduado, mas sim sua vontade de crescer. Ele entra numa empresa para aprender e não para se tornar meramente um assistente, ou no pior dos casos, mão de obra barata.

Como estagiário me foram pedidas várias tarefas administrativas completamente fora de minha área, que realmente não gosto, até que finalmente percebi que deveria me impor e poderia escolher o que gostaria de aprender.

Também fui muito valorizado e elogiado por saber falar mais de uma língua estrangeira, mesmo que não necessário. No Brasil, em cargos onde o ingles não era necessário, meu currículo de línguas parecia mais um mero enfeite, e minha fluência em japonês, uma curiosidade exótica e comica.

A organização, capricho e pontualidade pelo trabalho tambem são otimas caracteristicas, que fazem dos produtos Japoneses, muitas vezes os melhores no mercado.

Particularmente, gosto do silêncio no ambiente de trabalho, não é preciso socializar-se de maneira informal, como no Brasil.